O filósofo Levinás diz “que vivemos em um mundo de
intenções”. Ele cita o exemplo de um homem que fuma. Ele está sentado em uma
cadeira, de frente para uma mesa, e sua intenção é esticar o braço para colocar
o resíduo da cinza no cinzeiro, que se encontra a uma pequena distância sobre a
mesa. Quando ele estica o braço, a manga de seu casaco esbarra em um copo de
água que ele bebeu até a metade e deixou sobre a mesa. O copo vira e derrama o
liquido sobre a mesa. A água escorre e molha a roupa do homem e o chão. Ele
precisa sair para trocar de roupa. Depois ele volta para pegar um pano e secar
a água derramada no chão e na mesa. O cigarro ficou depositado no cinzeiro e
ele não terminou a sua ação.
Este
exemplo demonstra que a intenção interfere no meio e provoca uma série de ações
que ocorrem despercebidas aos desatentos. A nossa visão limitada permite-nos
apenas vermos o foco de nossa intenção, ou às vezes, nem isso. Na alegoria do
fumante, o objetivo do homem era apenas colocar a cinza no cinzeiro. Esta ação
desencadeou uma série de outras ocorrências imprevistas e desagradáveis.
Nem
sempre percebemos o resultado de nossas boas ou más intenções. Existe um ditado popular que diz assim: “de
boas intenções o mundo está cheio”. As pessoas utilizam esta frase para
ironizar uma intenção que aparentemente é boa, mas pode causar prejuízos.
O
filósofo Levinás, que inspirou este texto, tem uma super consciência com
relação à interferência das intenções e ações na vida do Outro. O Outro pode
ser um ser vivo, uma pessoa, um grupo ou sociedade. Ele se reporta a
Responsabilidade Social de cada indivíduo. Para demonstrar o “peso” das
intenções, conto uma estória do cotidiano:
Um
cidadão acordou atrasado na manhã daquele dia. Ele rotineiramente pega ônibus
para deslocar-se, mas por causa do atraso, resolveu ir de carro para evitar a
bronca do chefe.
Ele
morava em um condomínio e ao ligar o seu carro, acordou alguns vizinhos que
moravam próximos da garagem. Ele saiu com tranqüilidade, sem perceber que os
vizinhos incomodados com o barulho do motor e o bater da porta do carro, levantaram
de mau-humor. A fumaça que seu veículo despejou no ar também foi invisível para
aquele homem. Os vizinhos mau-humorados maltrataram familiares e animais
domésticos que convivem com eles e a densa fumaça juntou-se a nuvem de poluição
que cerca a cidade e causa problemas de saúde aos cidadãos.
Ao sair
do condomínio, ele deparou-se com vias de trânsito engarrafadas. Ele não
imaginava que outros, como ele, também se atrasaram, ou simplesmente preferem
deslocar-se de carro até o trabalho ou escola dos filhos para ter mais
conforto. Os motoristas que utilizam seus carros todos os dias, não percebem que
entopem as ruas da cidade e atrasam os transportes coletivos que levam crianças
e trabalhadores para iniciarem o seu dia de escola e trabalho.
Alguns
carros fazem filas duplas em frente das escolas, com a pretensão de “largarem”
os seus filhos sem precisarem estacionar. Eles não imaginam que impedem tantos
outros pais de chegarem a tempo e deixarem os seus filhos também na escola. Os
pais e mães que agem desta forma, não percebem que estão educando os filhos
através deste exemplo, ou seja, criam um futuro de motoristas infratores, pois
a fila dupla é proibida.
O homem,
que excepcionalmente hoje saiu de carro, fica nervoso com o engarrafamento e
começa a buzinar e xingar todos que estão em volta. Os motoristas que estão
próximos também começam a buzinar e gritar. A histeria se generaliza, alguns
motoristas descem dos carros, quase acontece uma briga, mas finalmente a fila
anda e todos se concentram em seguir o fluxo que vagarosamente segue na via lenta
e trancada.
O
cidadão chega ao trabalho. Ele está nervoso e irritado porque a sua intenção de
aliviar o atraso não deu certo. O engarrafamento, as vias lentas, as brigas no
trânsito o impediram de realizar o seu objetivo. Ele sabe que não adianta falar
sobre isso ao chefe porque a advertência a virá de qualquer maneira. Ele
resolve fazer um comentário para amenizar a situação:
- O trânsito estava terrível no caminho até aqui. Não sei o
que deu nas pessoas! Parece que saíram todas ao mesmo tempo de casa!
Os
colegas concordam, pois vários deles estavam no mesmo engarrafamento e tiveram
dificuldades para chegar ao trabalho. Todos estavam irritados com as vias da
cidade que são lentas e trancadas para o deslocamento até o trabalho.
Esta
alegoria urbana nos faz refletir as nossas melhores intenções. Nós sempre
interferimos na vida de alguém, mesmo sem querer fazê-lo. A responsabilidade
social existe quando tomamos consciência da importância de nossa presença no
mundo e procuramos colaborar para as coisas melhorarem.