Inspirado nas mães da
Praça de Maio
O telefone tocou várias vezes.
Eram 3 horas da manhã e todos dormiam. Um casal de meia idade desceu correndo a
escadaria da casa para ver quem os chamava. Há esta hora devia ser urgente! O
homem pega o aparelho: -Alô! Do outro lado alguém fala:
-É da casa dos pais da Antônia? Carlos gelou dos pés a
cabeça.
-Sim, aqui é o pai dela, Carlos.
-Seu Carlos, aqui é a Leonora. Sou vizinha da Antonia e
quero lhe avisar que aconteceu uma coisa muito séria com ela. Soldados do
exército invadiram a casa deles esta madrugada e levaram todo mundo. A porta
ficou aberta e ninguém sabe para onde foram. Primeiro um carro levou a Antonia
e o marido. Depois pegaram o pequeno Henrique chorando e colocaram em outro
carro.
-Mas ninguém se identificou? Nenhum soldado falou com vocês?
-Para dizer a verdade, eles nem sabiam que alguém estava
vendo. Eu fiquei com medo de aparecer, o senhor sabe, eles são do poder, mas
entrei na casa assim que saíram e estou ligando para avisar.
- Está bem! Estou indo para aí!! Carlos desligou o aparelho
branco como cera.
Hebe apenas perguntou: - o que aconteceu?
-Soldados seqüestraram a Antonia e o marido.
-E o Henrique? Levaram também, em outro carro.
Os dois saíram apressados em direção ao quarto para
vestirem-se. Partiram apressadamente para a casa de
Antonia.
Em
seguida começaram uma busca interminável em delegacias, igrejas e prisões.
Conversaram com os amigos de Antonia, os colegas da universidade, e tudo que
diziam é que ela andava fazendo reuniões estudantis com o esposo e era
proibido. Nas intermináveis buscas conheceram outros pais desesperados e
ficaram amigos. Combinaram se encontrar para saber notícias dos filhos.
Logo, havia
muitas mães se encontrando. Os pais voltaram a sua rotina de trabalho e elas persistiam
tentando encontrar seus filhos. Eram tantas, que para se identificarem,
combinaram amarrar uma fralda como lenço na cabeça. A Praça de Maio foi o local
escolhido para reunirem-se e trocarem notícias.
Quando
os membros do governo perceberam aquela movimentação fizeram de tudo para
desmobilizar as mães. Algumas foram perseguidas e assassinadas, como seus
filhos. Então vieram as avós fazer parte do movimento.
Hebe
deixa cair uma lágrima ao lembrar-se dos últimos 35 anos de sua vida. O
movimento das mães e avós, que como Maria, jamais deixou de chorar seus filhos
publicamente, se fortaleceu e institucionalizou-se. A ferida deixada por seus
familiares desaparecidos não cicatriza nunca. Algumas avós localizam os seus
netos com as constantes pesquisas feitas na rede. As crianças encontradas já
são adultas e foram criadas por famílias de militares.
O único consolo é não deixar que
esqueçam. Contar ao mundo os crimes cometidos na Argentina durante a ditadura
militar. A Praça de Maio tornou-se o símbolo desta luta, onde as mães se
encontram todas as quintas feiras e desafiam o poder com seus lenços brancos na
cabeça.