domingo, 9 de setembro de 2012

PESADELO ARGENTINO



Inspirado nas mães da Praça de Maio

O telefone tocou várias vezes. Eram 3 horas da manhã e todos dormiam. Um casal de meia idade desceu correndo a escadaria da casa para ver quem os chamava. Há esta hora devia ser urgente! O homem pega o aparelho: -Alô! Do outro lado alguém fala:
-É da casa dos pais da Antônia? Carlos gelou dos pés a cabeça.
-Sim, aqui é o pai dela, Carlos.
-Seu Carlos, aqui é a Leonora. Sou vizinha da Antonia e quero lhe avisar que aconteceu uma coisa muito séria com ela. Soldados do exército invadiram a casa deles esta madrugada e levaram todo mundo. A porta ficou aberta e ninguém sabe para onde foram. Primeiro um carro levou a Antonia e o marido. Depois pegaram o pequeno Henrique chorando e colocaram em outro carro.
-Mas ninguém se identificou? Nenhum soldado falou com vocês?
-Para dizer a verdade, eles nem sabiam que alguém estava vendo. Eu fiquei com medo de aparecer, o senhor sabe, eles são do poder, mas entrei na casa assim que saíram e estou ligando para avisar.
- Está bem! Estou indo para aí!! Carlos desligou o aparelho branco como cera.
Hebe apenas perguntou: - o que aconteceu?
-Soldados seqüestraram a Antonia e o marido.
-E o Henrique? Levaram também, em outro carro.

Os dois saíram apressados em direção ao quarto para vestirem-se. Partiram apressadamente para a casa de 
Antonia.
                Em seguida começaram uma busca interminável em delegacias, igrejas e prisões. Conversaram com os amigos de Antonia, os colegas da universidade, e tudo que diziam é que ela andava fazendo reuniões estudantis com o esposo e era proibido. Nas intermináveis buscas conheceram outros pais desesperados e ficaram amigos. Combinaram se encontrar para saber notícias dos filhos.

                Logo, havia muitas mães se encontrando. Os pais voltaram a sua rotina de trabalho e elas persistiam tentando encontrar seus filhos. Eram tantas, que para se identificarem, combinaram amarrar uma fralda como lenço na cabeça. A Praça de Maio foi o local escolhido para reunirem-se e trocarem notícias.

                Quando os membros do governo perceberam aquela movimentação fizeram de tudo para desmobilizar as mães. Algumas foram perseguidas e assassinadas, como seus filhos. Então vieram as avós fazer parte do movimento.

                Hebe deixa cair uma lágrima ao lembrar-se dos últimos 35 anos de sua vida. O movimento das mães e avós, que como Maria, jamais deixou de chorar seus filhos publicamente, se fortaleceu e institucionalizou-se. A ferida deixada por seus familiares desaparecidos não cicatriza nunca. Algumas avós localizam os seus netos com as constantes pesquisas feitas na rede. As crianças encontradas já são adultas e foram criadas por famílias de militares.

O único consolo é não deixar que esqueçam. Contar ao mundo os crimes cometidos na Argentina durante a ditadura militar. A Praça de Maio tornou-se o símbolo desta luta, onde as mães se encontram todas as quintas feiras e desafiam o poder com seus lenços brancos na cabeça.

MORTE NA PRAÇA DA ALFÂNDEGA


Inspirado nos meninos de rua
                Foi encontrado morto na Praça da Alfândega um jovem homem. Aparentemente tinha a idade de 15 anos. Os freqüentadores diários e ambulantes dizem que ele estava sempre por ali, pedia esmolas, fazia programas como michê, praticava pequenos furtos e dormia na praça a noite.

                O exame pericial do corpo registrou grande quantidade de elementos químicos que compõem o crack. O óbito registra parada cardíaca.

                Paulo nasceu abençoado por Deus. Uma criança forte e saudável irrompe do útero de sua mãe.  A mãe não resistiu ao parto. Sangrou muito e deixou esta vida sem conhecer o próprio filho.

                O pai compareceu drogado para retirar o filho. Era conduzido pelo braço por uma senhora que dizia ser avó. Assim Paulo saiu do hospital, sem muita pompa. Dona Margarida, avó de Paulo, já cuidava de cinco netos. Os três irmãos do bebê e mais dois abandonados por outra filha que estava na vida.

                Ela viu que não tinha condições de cuidar de mais um bebê e pediu ajuda para a sua irmã mais chegada. Esta irmã lembrou de uma sobrinha que morava em outra cidade e que não conseguia ter filhos. Assim Paulo mudou de endereço pela primeira vez.   
       
                Foi entregue na casa de Cátia com uma mísera trouxinha de roupa que continha algumas fraldas e uma única troca. Cátia pegou o bebê e acariciou o seu rostinho. Infelizmente Cátia tinha problemas neurológicos e logo começou a surrar menino.

                Todos os dias Paulo apanhava desde que se conhecia por gente. Às vezes não tinha motivo algum. Ele tinha muito medo. Uma vez, quando já estava na escola, uma professora viu as marcas no corpo do menino e fez um estardalhaço. Chamou a polícia, Conselho Tutelar e a mãe de Paulo para conversar. Isto é que o menino mais temia. Sabia que ia apanhar mais forte naquele dia.

                Um dia Paulo saiu para ir à escola e não voltou pra casa. Resolveu ficar pela rua. Já que ia apanhar mesmo, preferia protelar a surra. Assim o menino cada vez voltava mais tarde para casa, até que um dia não voltou. Dormiu fora. Conheceu amigos na rua que lhe ofereceram cola para cheirar. Logo apresentaram o crack também.

                O menino se deliciava com a nova vida de aventuras. Quando não tinha cola ou crack, pedia esmolas para comprar. Como era um moleque franzino, despertava compaixão nas pessoas. Dizia que era para comprar comida para a sua mãe.

                Um dia Paulo voltou para casa e sua mãe bateu a porta na sua cara. Disse que ali não era mais a casa dele. Paulo não tinha mais para onde voltar e ficou nas ruas. Os moleques que eram seus amigos lhe apresentaram o “protetor”.  O protetor era um homem de meia idade que vendia drogas e usava os meninos para ganhar dinheiro. Ele protegia os meninos na praça para que eles ficassem ali pedindo dinheiro e distribuindo as drogas.

                Paulo tornou-se um dos meninos “protegidos”. Ficou um bom tempo nesta situação até a adolescência, quando começou a ter problemas com a polícia. O protetor disse que ele precisava “trabalhar” para comprar a droga por que ele não daria de graça. Assim começou a vida de michê para Paulo e ele logo conheceu a AIDS.

                Pela primeira vez o jovem foi cadastrado em um poso de saúde pública para receber o tratamento. Ele não conseguia seguir as recomendações e surgiram os primeiros sintomas. Febre, tosse, pneumonia, tuberculose. Ele ficou um mês no hospital público e voltou para a rua.

                A partir dali ele resolveu se drogar sem parar, pois havia perdido qualquer noção de realidade e sentido de existência.

LANÇAMENTO DE LIVRO


Estou trabalhando em uma oficina literária com contos sobre as estórias do Conesul. A coletânea da oficina se chama "Esta Terra Tem Dono" e será o primeiro livro trilingue do Brasil. Ele será editado em português, espanhol e guarani. Convido meus seguidores desde já para o lançamento na Feira do Livro de Porto Alegre. Informarei a data oportunamente.

MÚSICA DE ARREPIAR


Inspirado em Mercedes Sosa

            Gostava de brincar sentada no chão, no meio da sala. Nos dias quentes, o contato frio do piso de madeira com a minha pele, era prazeroso. Ainda lembro do cheiro da cera que minha mãe passava para dar brilho no assoalho.

            Meu pai estava na sua poltrona assistindo a um programa de variedades. De repente ouvi uma voz forte, uma canção acompanhada de tambores e flautas, ecoou na sala. Lembro que os pelos de meu corpo arrepiaram. Olhei para a televisão e vi uma mulher taluda, de cabelos pretos e lisos, com cara de índia, a cantar e tocar o seu tambor.

            Levantei-me do chão e cheguei perto da televisão para ouvir melhor. Meus pés começaram a dançar e pular ao som daquela música de tambores e flautas. Quando estava no auge da dança, meu pai incomodou-se com a minha movimentação em frente à tv e falou:
-          Fica quieta guria! Me deixa ouvir a Mercedes Sosa.
-          Quem é ela pai? Perguntei.
-          É uma grande cantora sul-americana. A música dela estava proibida pelos generais. Nem acredito que está na televisão.

Não entendi muito bem, mas achei melhor não insistir no assunto. Passei o resto do dia com aquela música na minha cabeça. Cantei o ritmo repetidas vezes porque me dava vontade de dançar.

Cresci com Mercedes Sosa em minha mente e coração. Sempre reconhecia às músicas dela por causa da batida dos tambores. Mais tarde, já adulta, comecei a ouvir as letras, sempre de cunho social, que me impressionavam pela sinceridade. Até hoje os meus pelos arrepiam quando ouço La Negra cantar.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

DESEJO A TODOS “UM BOM ESPETÁCULO”


Inspirado em Vlademir do Carmo
A música começa. A cortina abre-se lentamente e desvenda o mistério que esconde. Nas coxias, atores ansiosos, com o coração descompassado, preparam-se para atuar. Usam roupas elegantes e suam em “bicas”. Heróis e vilões, rainhas e príncipes, fadas e monstros ganham forma na cópia da vida.
O apresentador anuncia: - O espetáculo vai começar! Silêncio!                O público percebe que a magia está no ar e prepara-se para viver as emoções que uma boa peça de teatro proporciona. O apresentador propaga os patrocinadores e encerra a sua participação com a saudação: - Desejo a todos um bom espetáculo!
A peça começa e os atores entram no palco. Concentram-se para não esquecer as falas, deixas e marcações.  O público, de olhos bem abertos, procura entender o início da história. Tudo é lindo! As roupas, os atores e atrizes e, principalmente, a forma como se movimentam no palco. Parece uma dança harmônica. De repente a música falha, não entra na hora certa e o pânico instala-se no palco e nas coxias. O público nada percebe, pois não conhece o roteiro. De repente, um dos atores que está no palco, cantarola uma canção junto com passos de uma dança improvisada. Foi a movimentação necessária até a música começar. Todos os atores suspiram aliviados e a magia do teatro volta a se equilibrar.
Na coxia acontece uma correria louca. Trocas de roupas e maquiagem para todo lado. Na hora de entrar em cena, um ator não aparece. Olhares apavorados se cruzam entre os atores e contra-regras. Outro ator veste o casaco rapidamente e entra no palco. Ele não lembra bem o papel, nem mesmo ensaiou para cumpri-lo, mas faz do seu jeito e salva a seqüência. Em seguida chega o ator que deveria estar no palco, branco como cera. Sentiu uma indisposição e estava no banheiro. O público nada percebeu.
Os minutos seguintes correm loucamente com entradas e saídas. O público aplaude algumas cenas do espetáculo e os atores se cumprimentam nas coxias, revigorados pelo retorno de aplausos.
Ao final da peça, todos os atores e contra-regras entram no palco para agradecer a platéia. Algumas pessoas aplaudem de pé e outras gritam “bravo”. Os atores que deram vida ao espetáculo retornam a coxia após receberem os cumprimentos e começam a organizar as roupas, maquiagens e cenários. Permanecem mais uma hora no teatro para recolher e arrumar seus pertences.
Mais um dia de emoções revigorantes para aquele grupo que ama o que faz. Teatro é vida! Gritam esta frase ao final, antes de despedirem-se um dos outros. O diretor avisa que o ensaio iniciará mais cedo no dia seguinte e todos acenam com a cabeça confirmando a sua presença.
A magia do teatro bate forte no coração dos teatreiros que levam esta arte em frente, apesar das dificuldades. Os teatros são palco de vida, diversão e arte. A paixão de copiar a vida através da arte é uma homenagem ao público. Que sempre encontremos teatros lotados para prestigiar os espetáculos.



UMA VEZ DIFERENTE



Todos os dias pego o mesmo trem. O trem faz o mesmo trajeto todos os dias. Viajo com pessoas de diferentes tipos todos os dias.
                Uma vez, em um dia comum, igual a todos os dias, o trem parou entre duas estações, nos trilhos, e não abriu as portas. Os passageiros que nunca interagem uns com os outros, trocaram olhares significativos. Alguns demonstravam medo, outros indignação e um olhar, em especial, esboçou um matreiro sorriso: era uma criança.
                A condutora do trem avisou pelas caixas de som, que a linha estava com problemas técnicos e ela recebera orientação para aguardar alguns minutos.
                Um homem começou a reclamar em voz alta, para todos ouvirem, que o trem era uma porcaria, que nada funcionava direito e que a passagem estava muito cara. Outros passageiros reclamaram para fazer coro com aquele homem. O ambiente ficou tenso e desagradável.
                Busquei o olhar da criança e percebi que ela chorava. Quando cruzou o seu olhar em lágrimas com o meu, devolvi-lhe o sorriso anterior. Imediatamente ela parou de chorar e ficou séria me olhando. A mãe entregou-lhe uma bolacha e ela comeu vorazmente. Imediatamente pediu outra para a mãe.
                Eu observava aquele universo de pessoas que conversavam entre si e surpreendi-me feliz naquele momento, trancado em um vagão parado sobre os trilhos. Não me importei em estar atrasado e com fome. Tentava premeditar quantas amizades estavam nascendo a partir da pane no trem. Talvez algum casamento? Quem sabe!
                Ao término de 15 minutos, ouvi a voz da condutora anunciar que o problema técnico estava solucionado e poderíamos partir. Algumas pessoas conversavam animadamente e não ouviram a boa notícia. Surpreenderam-se quando o trem começou a andar. No primeiro solavanco todos aplaudiram e gritaram vivas ao trem.
                Aquela vez foi diferente de todos os dias. As pessoas conversaram, fizeram novas amizades e não eram mais de diferentes tipos: eram amigos.
                

domingo, 22 de abril de 2012

QUATRO ELEMENTOS EM QUATRO TEMPOS


Tempo de Colheita
                Eu planto as minhas sementes na terra. Ela alimenta e protege os meus futuros frutos. Eu confio no amadurecimento que o tempo e o conhecimento proporcionam.
                A enxurrada de ontem transbordou a terra de contentamento. A água desceu pelo córrego como vibrante corredeira e lavou toda a tristeza que a estiagem provocou. Hoje voltou a chover, mas desta vez foi uma chuva calma, como lágrimas de felicidade.
                Antes da chuva eu estava pensando nos frutos de meu plantio, enquanto via fumaça ao longe. Os vizinhos reclamavam da seca por causa do fogo. Aqui, o único fogo que ardia era em meu coração, pois estava apaixonado por uma mulher casada, fruto de um encontro que não acabava. Sempre era a última vez, o último beijo, tudo último.
                Pensarei um dia em respirar? Apenas sorverei um pouco de ar, como as plantas fazem e nunca deverão nada a ninguém? Por que esta ânsia de vida sempre sustentará a falta de algo? Será que sempre sentirei falta de ar? Sempre os amores impossíveis. Ai de mim! Seguirei o ar e voarei para bem longe um dia? Ai de mim! Colherei os amargos frutos de uma vida impulsiva e apaixonada?

DIA DE FAXINA


Lembro que morei em uma casa simples, de madeira, com peças amplas. No dia da semana em que a minha mãe, fazia a faxina, eu sentia o cheiro adocicado da cera que ela utilizava para lustrar o piso novinho de madeira.
                Neste piso encerado, eu e meu irmão brincávamos com um velho pano de lã. Minha mãe sabia das brincadeiras e propositadamente entregava-nos a tarefa de lustrar todo o chão.
                Eu, toda sorridente e pequenina, sentava no pano de lã. Meu irmão agarrava duas pontas daquele tecido, de forma a transformá-lo em uma “cadeirinha” para mim. Voávamos pela casa com muitos gritos e risadas. Meu irmão gostava de fazer curvas durante a brincadeira, pois então eu me desequilibrava e caía para os lados. Ele tinha cuidado de não me deixar bater em nada, mas eventualmente eu caía e batia com a cabeça. Eu sabia que ele não me derrubava para machucar, mas algumas vezes a brincadeira terminava com o meu próprio choro.
                Outra brincadeira gostosa que fazíamos durante a atividade de lustrar o chão era uma espécie de corrida de quatro pés. Colocávamos quatro panos sobre os joelhos e as mãos. Saíamos apostando corrida naquela posição, de quatro pés no chão. Esta brincadeira também tinha uma variação de pé, quando colocávamos dois panos ou um só bem grande, sobre os dois pés. Nesta brincadeira corríamos e dançávamos como dois bailarinos treinados.
                Ao término do dia de limpeza dormíamos exaustos com as estrepolias que aprontávamos.
                O chão de minha casa brilhava e cheirava bem. A cada dia de faxina eu e meu irmão oferecíamos-nos para auxiliar novamente. Eram dias gostosos de brincadeiras.

domingo, 18 de março de 2012

CRISE DO CIDADÃO: HEROÍSMO OU OMISSÃO?


                      Uma reportagem de telejornal mostrou a premiação oferecida aos professores que tiveram algum diferencial criativo em seu trabalho, no ano de 2011. Um dos projetos desenvolvidos chamou minha atenção: tratava de uma professora de escola infantil, educadora de crianças de três e quatro anos, que recebeu uma aluna surda. Ela aproveitou a grande oportunidade que a vida lhe ofereceu e ensinou a linguagem de sinais para todas as crianças da classe.
                Depois que desliguei a televisão, refleti que grande tesouro representou este ato para a sociedade.  A ideia é simples e grandiosa, ao mesmo tempo. As crianças que frequentaram essa classe na escola sempre serão especiais para a sociedade. A menina surda que sensibilizou a professora jamais será esquecida.
                E por que não pensar na linguagem de sinais como estudo obrigatório nas classes iniciais? Ou como uma matéria complementar em algum nível escolar? Os ventos da sociedade inclusiva estão soprando neste momento. É necessário que voltemos nossa atenção para a pequena parcela de pessoas que tem necessidades especiais, e que está em dificuldades coma falta de acessibilidade.
                Outra reflexão interessante é a violência escolar.  Outro dia, troquei ideias com uma professora, que estava muito preocupada com um fato que aconteceu na escola onde leciona. Ela relatou que houve a necessidade de chamar a polícia, os pais dos alunos envolvidos e, ainda, excluir da escola os estudantes envolvidos no incidente.            Perguntei se houve algum trabalho, no plano das ideias, com os alunos que não se envolveram no episódio. Ela disse que a escola estava se esforçando para esquecer o assunto. Então, questionei se essa seria a melhor maneira de tratar com a situação, já que a atitude poderia banalizar a violência.
Por que não explorar a criatividade dos bons alunos da escola, trazer o assunto à tona e buscar, junto aos estudantes, novas formas de lidar com a violência? Abrir espaço para discussão, e encarar o problema com responsabilidade, pode ser um tesouro na vida dos estudantes. Quem sabe, essa escola poderia até ser premiada com a diminuição da violência!
                Penso que deixamos a “coisa rolar”, com nossa omissão. Isso acontece com qualquer cidadão que não tem consciência do espaço que ocupa, e do quanto pode fazer a diferença na sociedade. Todos somos pais, alunos ou professores em algum momento de nossa história.
                A professora que foi premiada pela ideia de ensinar Libras para as crianças poderia ter deixado aquela menina quietinha em um canto da sala. Ela poderia ter feito de conta que estava tudo bem, que a turma se relacionava bem com a criança, mesmo sem que ela conseguisse se comunicar com os demais. Entretanto, a professora não fez isso. Ela não se omitiu frente à adversidade. Acredito que ela tenha “suado a camisa” para fazer o que fez, e é esse tipo de atitude que faz falta, o tempo todo, em nossa sociedade: atitudes individuais, de cidadãos comuns.
                Não digo que essas iniciativas não existam por aí! Sei que os heróis ocultos estão em todos os lugares, e que, infelizmente, nem sempre são reconhecidos ou premiados. Fazem por fazer, por sentirem-se no dever de auxiliar o planeta a crescer. O mundo precisa de menos omissão e de mais ação, quanto se trata de construir algo próximo do conceito de justiça. Precisamos refletir sobre o nosso mundo, antes que ele se torne inaceitável para todos nós.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

LIXO DE LUXO


Ao pagar tudo dá
Na sociedadedo grito e da dor
Pouco se consegue com amor.

Empatia e compaixão
São palavras fora de cogitação
Longe dos sentimentos
Que nomeiam.

É preciso insistir muito
Para fazer o Outro olhar
Se por no lugar
Se responsabilizar.

Ninguém é responsável
O sofrimento vem do acaso
Ninguém colabora
Nem percebe onde melhorar.

Trabalho coletivo?
Nem pensar!
Esta sociedade está para acabar.
Vai se autodestruir
Com tanto lixo, mesquinharia e sofrimento.
Mas o dinheiro paga,
Enquanto durar.

O MUNDO ESTÁ CHEIO DE BOAS INTENÇÕES


O filósofo Levinás diz “que vivemos em um mundo de intenções”. Ele cita o exemplo de um homem que fuma. Ele está sentado em uma cadeira, de frente para uma mesa, e sua intenção é esticar o braço para colocar o resíduo da cinza no cinzeiro, que se encontra a uma pequena distância sobre a mesa. Quando ele estica o braço, a manga de seu casaco esbarra em um copo de água que ele bebeu até a metade e deixou sobre a mesa. O copo vira e derrama o liquido sobre a mesa. A água escorre e molha a roupa do homem e o chão. Ele precisa sair para trocar de roupa. Depois ele volta para pegar um pano e secar a água derramada no chão e na mesa. O cigarro ficou depositado no cinzeiro e ele não terminou a sua ação.
                Este exemplo demonstra que a intenção interfere no meio e provoca uma série de ações que ocorrem despercebidas aos desatentos. A nossa visão limitada permite-nos apenas vermos o foco de nossa intenção, ou às vezes, nem isso. Na alegoria do fumante, o objetivo do homem era apenas colocar a cinza no cinzeiro. Esta ação desencadeou uma série de outras ocorrências imprevistas e desagradáveis.
                Nem sempre percebemos o resultado de nossas boas ou más intenções.  Existe um ditado popular que diz assim: “de boas intenções o mundo está cheio”. As pessoas utilizam esta frase para ironizar uma intenção que aparentemente é boa, mas pode causar prejuízos.
                O filósofo Levinás, que inspirou este texto, tem uma super consciência com relação à interferência das intenções e ações na vida do Outro. O Outro pode ser um ser vivo, uma pessoa, um grupo ou sociedade. Ele se reporta a Responsabilidade Social de cada indivíduo. Para demonstrar o “peso” das intenções, conto uma estória do cotidiano:
                Um cidadão acordou atrasado na manhã daquele dia. Ele rotineiramente pega ônibus para deslocar-se, mas por causa do atraso, resolveu ir de carro para evitar a bronca do chefe.
                Ele morava em um condomínio e ao ligar o seu carro, acordou alguns vizinhos que moravam próximos da garagem. Ele saiu com tranqüilidade, sem perceber que os vizinhos incomodados com o barulho do motor e o bater da porta do carro, levantaram de mau-humor. A fumaça que seu veículo despejou no ar também foi invisível para aquele homem. Os vizinhos mau-humorados maltrataram familiares e animais domésticos que convivem com eles e a densa fumaça juntou-se a nuvem de poluição que cerca a cidade e causa problemas de saúde aos cidadãos.
                Ao sair do condomínio, ele deparou-se com vias de trânsito engarrafadas. Ele não imaginava que outros, como ele, também se atrasaram, ou simplesmente preferem deslocar-se de carro até o trabalho ou escola dos filhos para ter mais conforto. Os motoristas que utilizam seus carros todos os dias, não percebem que entopem as ruas da cidade e atrasam os transportes coletivos que levam crianças e trabalhadores para iniciarem o seu dia de escola e trabalho.
                Alguns carros fazem filas duplas em frente das escolas, com a pretensão de “largarem” os seus filhos sem precisarem estacionar. Eles não imaginam que impedem tantos outros pais de chegarem a tempo e deixarem os seus filhos também na escola. Os pais e mães que agem desta forma, não percebem que estão educando os filhos através deste exemplo, ou seja, criam um futuro de motoristas infratores, pois a fila dupla é proibida.
                O homem, que excepcionalmente hoje saiu de carro, fica nervoso com o engarrafamento e começa a buzinar e xingar todos que estão em volta. Os motoristas que estão próximos também começam a buzinar e gritar. A histeria se generaliza, alguns motoristas descem dos carros, quase acontece uma briga, mas finalmente a fila anda e todos se concentram em seguir o fluxo que vagarosamente segue na via lenta e trancada.
                O cidadão chega ao trabalho. Ele está nervoso e irritado porque a sua intenção de aliviar o atraso não deu certo. O engarrafamento, as vias lentas, as brigas no trânsito o impediram de realizar o seu objetivo. Ele sabe que não adianta falar sobre isso ao chefe porque a advertência a virá de qualquer maneira. Ele resolve fazer um comentário para amenizar a situação:
- O trânsito estava terrível no caminho até aqui. Não sei o que deu nas pessoas! Parece que saíram todas ao mesmo tempo de casa!
                Os colegas concordam, pois vários deles estavam no mesmo engarrafamento e tiveram dificuldades para chegar ao trabalho. Todos estavam irritados com as vias da cidade que são lentas e trancadas para o deslocamento até o trabalho.
                Esta alegoria urbana nos faz refletir as nossas melhores intenções. Nós sempre interferimos na vida de alguém, mesmo sem querer fazê-lo. A responsabilidade social existe quando tomamos consciência da importância de nossa presença no mundo e procuramos colaborar para as coisas melhorarem. 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

HIDRATAÇÃO




Banho de cheiro na pele
Carícia suave
Nuvem branca, úmida e cheirosa
Tez molhada e sugada
Por bocas sem lábios.

Massagem quente e úmida
Arrepio suave
Prazer ingênuo e doce
Carícia auto-suficiente.

Pelos eriçados
Agora molhados
E grudados na pele
Para descansar.

Tempo de relaxar
Sorrir ou pirar
O que trazer mais prazer
Ao ser que se encontra.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

POEMEU


Poema meu atrevido,
Tenta nascer
Em um mundo de loucos.
Um falar sem som
Desenho de um sonho
Que impulsiona o encanto.

Poema desnecessário
Problema secundário
Desvio de rota, meta, finalidade.
Palavra que corrompe
Jorra fantasias para todos os lados.

Poema gentil
Cria forma
Cala o idiota
Fertiliza a imaginação
Mundo de ideias
Utopias reais.

Comparo um poema
Ao lançamento de moda
Que grita, berra e assusta.
Parece impossível de usar
Até ficar popular
Sucesso na boutique
E no bazar.

O poema transporta
O corpo, a mente e a alma...




EU APENAS


segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

QUASE UMA LENDA


                Estava tudo normal até o motor do carro não ligar. Girei a chave várias vezes e o motor só fazia um som parecido com TCHOK, TCHOK, TCHOK. Chamei, por telefone, um mecânico para me auxiliar.
                Ele chegou de moto. E que moto! Era uma enorme motocicleta, com franjas de couro e bandeiras, no estilo Harley Davidson. Lembrava um integrante das “Hells Angels” perdido em frente ao portão.  Pedi para o segurança abrir porque ele estava paralisado com a assustadora “figura” da máfia sobre rodas.
                Ele entrou e parou a sua moto próximo ao meu carro. Confesso que tive vontade de subir na garupa e ir embora com ele diante do olhar dos vizinhos que se aboletavam nas janelas a espiar.  Eu me tornaria uma lenda: a mulher que subiu na carona de uma Harley Davidson e nunca mais voltou. Mas me contive e parei ao lado do meu carro.
Ele tirou o capacete lentamente e, vários vizinhos se aproximaram rapidamente, para ver de perto as tatuagens, cicatrizes, piercings e brincos que esperavam encontrar naquele Hell Angel. Mas ao arrancar o capacete, tinha apenas uma cabeça de homem um tanto calva. Jamais me tornaria uma lenda na garupa daquele mecânico. Os vizinhos decepcionados voltaram aos seus postos de observação.
                O mecânico não percebeu toda esta movimentação em torno de sua aparição em uma manhã que poderia fugir ao “lugar comum”. Dirigiu-se a mim e pediu que eu acionasse a alavanca que abre a tampa do motor. Ele olhou para a bateria e disse:
- Venceu! Acabou a validade.
                Então eu falei:
-Mas que coisa! Eu não sabia que bateria tinha prazo de validade.
                Timidamente ele esboçou um “meio” sorriso!! Depois que desisti de me tornar uma lenda, perdi o interesse pelo mecânico motoqueiro.
                O mecânico pegou uma maletinha com um pequeno cabo e ligou na bateria. Ele pediu que eu acionasse a ignição e o carro funcionou. Surpreendente! Imaginei que iríamos empurrar e suar “em bicas” para fazer o carro pegar “no tranco”.
                Fiquei pensando porque não recebemos um relatório de vencimentos de validade de cada peça do carro no momento da compra. Confiro e atualizo tantos relatórios no trabalho, que seria fácil controlar mais um.
                Quase não percebi o mecânico retornar para a sua moto. Contive o ímpeto selvagem de subir na Harley Davidson e caminhei até ele para saber o valor do serviço prestado. Ele novamente sorriu enigmático e disse:
                    Não custa nada! Eu estava próximo quando recebi o chamado. Pode ficar com o meu cartão.
                    Peguei o cartão aturdida! O cavalheiro simplesmente ficou feliz com a minha eterna gratidão. Bem dizia a minha mãe, que todo homem gosta de ser cavalheiro. É preciso permitir que isto aconteça.
                Agradeci ao mecânico e entrei no carro. Girei a chave e o motor rugiu. Liguei o rádio para relaxar. Imagine a música que tocava? A Lenda com Sandy e Junior. Achei graça! Quase me tornei uma lenda nesta insólita manhã.