domingo, 9 de setembro de 2012

PESADELO ARGENTINO



Inspirado nas mães da Praça de Maio

O telefone tocou várias vezes. Eram 3 horas da manhã e todos dormiam. Um casal de meia idade desceu correndo a escadaria da casa para ver quem os chamava. Há esta hora devia ser urgente! O homem pega o aparelho: -Alô! Do outro lado alguém fala:
-É da casa dos pais da Antônia? Carlos gelou dos pés a cabeça.
-Sim, aqui é o pai dela, Carlos.
-Seu Carlos, aqui é a Leonora. Sou vizinha da Antonia e quero lhe avisar que aconteceu uma coisa muito séria com ela. Soldados do exército invadiram a casa deles esta madrugada e levaram todo mundo. A porta ficou aberta e ninguém sabe para onde foram. Primeiro um carro levou a Antonia e o marido. Depois pegaram o pequeno Henrique chorando e colocaram em outro carro.
-Mas ninguém se identificou? Nenhum soldado falou com vocês?
-Para dizer a verdade, eles nem sabiam que alguém estava vendo. Eu fiquei com medo de aparecer, o senhor sabe, eles são do poder, mas entrei na casa assim que saíram e estou ligando para avisar.
- Está bem! Estou indo para aí!! Carlos desligou o aparelho branco como cera.
Hebe apenas perguntou: - o que aconteceu?
-Soldados seqüestraram a Antonia e o marido.
-E o Henrique? Levaram também, em outro carro.

Os dois saíram apressados em direção ao quarto para vestirem-se. Partiram apressadamente para a casa de 
Antonia.
                Em seguida começaram uma busca interminável em delegacias, igrejas e prisões. Conversaram com os amigos de Antonia, os colegas da universidade, e tudo que diziam é que ela andava fazendo reuniões estudantis com o esposo e era proibido. Nas intermináveis buscas conheceram outros pais desesperados e ficaram amigos. Combinaram se encontrar para saber notícias dos filhos.

                Logo, havia muitas mães se encontrando. Os pais voltaram a sua rotina de trabalho e elas persistiam tentando encontrar seus filhos. Eram tantas, que para se identificarem, combinaram amarrar uma fralda como lenço na cabeça. A Praça de Maio foi o local escolhido para reunirem-se e trocarem notícias.

                Quando os membros do governo perceberam aquela movimentação fizeram de tudo para desmobilizar as mães. Algumas foram perseguidas e assassinadas, como seus filhos. Então vieram as avós fazer parte do movimento.

                Hebe deixa cair uma lágrima ao lembrar-se dos últimos 35 anos de sua vida. O movimento das mães e avós, que como Maria, jamais deixou de chorar seus filhos publicamente, se fortaleceu e institucionalizou-se. A ferida deixada por seus familiares desaparecidos não cicatriza nunca. Algumas avós localizam os seus netos com as constantes pesquisas feitas na rede. As crianças encontradas já são adultas e foram criadas por famílias de militares.

O único consolo é não deixar que esqueçam. Contar ao mundo os crimes cometidos na Argentina durante a ditadura militar. A Praça de Maio tornou-se o símbolo desta luta, onde as mães se encontram todas as quintas feiras e desafiam o poder com seus lenços brancos na cabeça.

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